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Nova visão sobre o desenvolvimento da Drosophila

“O movimento do núcleo depende apenas dos microtúbulos a ele associados”

 

Um estudo recentemente publicado na revista Science por uma equipa de investigadores da Universidade de Cambridge (RU), revela que o núcleo do oócito da mosca da fruta é empurrado e não puxado, como se pensava até agora.

O posicionamento correto do núcleo da célula é importante em vários processos biológicos, a tal ponto que algumas doenças neurológicas se caracterizam por defeitos nos movimentos do núcleo. Também no gâmeta feminino da mosca da fruta - o oócito - assim é. Mesmo antes da fertilização, é a deslocação do núcleo da extremidade posterior para a zona anterior do oócito que determina o eixo dorso-ventral (costas-ventre) do futuro embrião da mosca. Sem eixos corretamente estabelecidos, o desenvolvimento do embrião não prossegue com normalidade.

O português Alexandre Raposo, atualmente investigador no Instituto Gulbenkian Ciência, teve uma contribuição essencial para esta investigação.

“Num dia em que observava oócitos vivos com o microscópio, reparei que os seus núcleos tinham uma pequena ‘mossa’ de um dos lados e que esse lado era sempre o oposto à direção de migração. Após algum raciocínio e experiências, concluí que essa reentrância representava um local de aplicação de forças a partir de microtúbulos", conta Alexandre Raposo ao Ciência Hoje. Este trabalho foi depois completado com mais experiências após a saída do investigador do laboratório que agora publica o artigo

“A definição dos dois eixos primordiais de desenvolvimento do futuro organismo resulta da rutura das simetrias no ovo ou, no caso da mosca-da-fruta, do oócito. Durante muito tempo julgava-se que a assimetria, ou polarização, que no oócito dá origem à definição do segundo desses eixos, o dorsal-ventral, dependia da formação prévia do outro, através de microtúbulos emanescentes desse lado anterior da célula (futura cabeça) que o núcleo puxaria para junto de si”, explica Alexandre Raposo.

Este estudo mostra agora que isso não se passa assim: “O movimento que o núcleo efetua de um lado da célula para outro para quebrar a simetria depende apenas dos microtúbulos a ele próprio associados”. Mais do que isso, “as microfibras emanescem e crescem a partir de uma zona específica da superfície do núcleo e que é o seu crescimento em direção à parede interior da célula que fornece a força necessária para empurrar o organelo desse lado para o outro, onde se irá posicionar para definir o eixo dorsal-ventral”. Por outras palavras, “para determinar onde ficam as costas da mosca não é preciso antes fixar onde ficará a cabeça e o abdómen”.

Os investigadores chegaram a estas conclusões seguindo, em tempo real, o movimento do núcleo de oócitos da mosca da fruta, a cerca de 4microns/hora. Conseguiram detetar uma pequena concavidade no núcleo, junto ao polo posterior do oócito, onde os microtúbulos tocam à medida que crescem.

A descoberta deste mecanismo é importante pois, para além de uma nova visão sobre o desenvolvimento da Drosophila, “mostra que aquele processo celular primário também não depende de vários fatores normalmente considerados fundamentais na geração de microtúbulos ou translocação do núcleo dentro das células”, afirma Alexandre Raposo. E isto torna-se mais evidente quando se tem em conta que, por exemplo, “a falta desses fatores no desenvolvimento do cérebro, causada por mutações genéticas, leva a deficiências graves como a microcefalia ou a desorganização das estruturas cerebral”.

O modelo proposto permite assim “olhar de outra forma para os mecanismos conhecidos de polarização celular em particular e para o controlo do desenvolvimento dos organismos em geral”, já que “são inúmeras as situações em que os microtúbulos e a translocação do núcleo têm uma função determinante, nomeadamente durante a neurogénese dos animais, incluindo os humanos”, conclui o investigador.

Por: Susana Lage

In: www.cienciahoje.pt