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Combater o cancro – a vacina mais desejada

Recentemente, cientistas da Mayo Clinic e do Centro do Cancro da Universidade da Geórgia (EUA) apresentaram uma vacina capaz de atacar vários tipos de tumores. Em vez de atacar as células cancerígenas diretamente, esta vacina 'treina' o sistema imunológico para o fazer, ajudando-o a distingui-las das células boas através de uma proteína carregada pelos tumores, a MUC1, e a atacá-las. O grupo de investigação do IPATIMUP, de Leonor David, tem também trabalhado sobre mucinas como a Muc1.

O cancro entrou definitivamente no nosso quotidiano. Com um número crescente de pessoas afetadas, muitas delas da nossa esfera pessoal e profissional, e com o destaque conquistado nos media, o cancro tornou-se um tema incontornável. Os avanços na prevenção, no diagnóstico precoce e nos tratamentos deste conjunto de doenças afiguram-se sempre como pequenas vitórias neste combate que dura há várias décadas e tem mobilizado impressionantes recursos humanos e financeiros.

Recentemente, surgiram notícias sobre novos desenvolvimentos numa das áreas mais relevantes para o tratamento do cancro – a imunoterapia. A imunoterapia é uma estratégia em que se tenta estimular o sistema imunitário dos doentes de cancro de forma a que ele consiga identificar e eliminar as células cancerosas (muito semelhante, aliás, ao que se passa com as vacinas para inúmeras outras doenças).

Qual é, contudo, a grande diferença? A grande diferença é que para a maioria das outras doenças o agente é externo (por exemplo uma bactéria ou um vírus), e por isso facilmente identificável pelo sistema imunitário, enquanto que as células tumorais são por vezes semelhantes às células normais do indivíduo. Como tal, tornam-se difíceis de detetar. O grande desafio tem sido encontrar moléculas que permitam distinguir as células tumorais das células normais, sendo que a mucina MUC1 é uma destas moléculas.

A mucina MUC1 é uma glicoproteína (proteína com cadeias laterais de carboidratos) que existe à superfície das células epiteliais, sendo um dos principais componentes da camada de muco que reveste as mucosas dos aparelhos digestivo, respiratório, urinário e genital. Esta proteína encontra-se alterada em cerca de 90 por cento dos cancros, estando muitas vezes associada a tumores muito agressivos, como no caso do pâncreas e da mama.

Nas células tumorais, além de se apresentar em quantidades superiores ao normal, a MUC1 tem também as cadeias laterais de carboidratos modificadas. Estas particularidades levaram grupos de investigadores em todo mundo a propor a utilização de pequenos fragmentos (péptidos e glicopéptidos) da mucina MUC1 presente nas células tumorais, para tentar estimular a resposta imunológica dos doentes de cancro.

Estes estudos decorrem há já vários anos e têm apresentado recentemente resultados muito promissores quer em modelos animais (ratinhos) quer em alguns ensaios clínicos envolvendo doentes de cancro da mama e mieloma múltiplo, com a redução do crescimento dos tumores.

Atualmente, vários laboratórios dedicam-se a esta área de investigação, sendo a equipa liderada por Sandra Gendler (que recentemente esteve na Faculdade de Medicina do Porto), na Mayo Clinic do Arizona (EUA), pelas suas contribuições, uma referência mundial.

Em Portugal, um grupo de investigadores do IPATIMUP desenvolve há vários anos estudos para um melhor conhecimento desta molécula MUC1 em cancro gástrico e pancreático. A mucina MUC1 encerra um enorme potencial como alvo terapêutico e espera-se que os anos mais próximos, com o acumular dos resultados de toda esta investigação aplicada, venham a concretizar estas mesmas promessas de uma Vacina MUC1.

Por Filipe Santos Silva/ IPATIMUP in: www.cienciahoje.pt